O tabagismo segue entre os maiores desafios de saúde pública global, e seus impactos ultrapassam em muito o sistema respiratório. Na odontologia, especialmente na periodontia, o cigarro — e mais recentemente o vape — representa um dos fatores de risco mais importantes, influenciando microbiota, tecidos de suporte e resposta imunológica.
Este conteúdo se baseia na matéria publicada na RDH Magazine (nov/dez 2025), escrita por Curstyn Molloy, BSDH, RDH, além de evidências científicas atualizadas sobre cigarro, dispositivos eletrônicos e progressão da doença periodontal.
Muito além da boca: os riscos gerais
Embora a odontologia tenha foco no sistema estomatognático, é impossível desassociar tabagismo de seus danos sistêmicos. O cigarro e o vape estão diretamente associados a:
- doenças cardiovasculares, como infarto do miocárdio e AVC;
- cânceres diversos, incluindo boca, laringe, pulmão, rim, esôfago e pâncreas;
- DPOC, bronquite crônica e enfisema;
- danos pulmonares severos relacionados a vaporizadores;
- complicações na gestação, como parto prematuro e baixo peso;
- aumento significativo do risco de morte prematura.
O tabagismo permanece responsável por cerca de 480 mil mortes anuais nos Estados Unidos, reforçando sua gravidade como agente de doença crônica.
Por que o vape também preocupa
O avanço dos cigarros eletrônicos criou a falsa percepção de uma alternativa “mais leve” ao cigarro tradicional. Entretanto, pesquisas recentes mostram que:
- os compostos químicos do vapor geram estresse oxidativo elevado, prejudicando células epiteliais e de suporte;
- há alterações em genes associados à dependência e à inflamação, reforçando o potencial aditivo e tóxico;
- pacientes usuários de vape apresentam maior sangramento gengival, mais placa bacteriana e aumento da profundidade de sondagem;
- a capacidade de cicatrização periodontal é prejudicada, o que impacta tratamentos cirúrgicos e não cirúrgicos.
A literatura odontológica é unânime: vape não é seguro para o periodonto — e seus danos se acumulam com o tempo.
Impactos diretos na saúde periodontal
O cigarro modifica profundamente o ambiente periodontal, criando um cenário ideal para inflamação crônica e destruição tecidual. Entre os principais efeitos comprovados, destacam-se:
- perda óssea acelerada, com maior risco de mobilidade dentária;
- aumento da profundidade de sondagem, dificultando manutenção e controle de biofilme;
- recessão gengival, muitas vezes associada a trauma químico e inflamatório;
- aumento significativo da inflamação, mesmo quando clinicamente mascarada pela vasoconstrição induzida pela nicotina;
- proliferação de patógenos periodontais como Porphyromonas gingivalis;
- maior predisposição a necroses e quadros de NUG;
- progressão acelerada da periodontite em comparação a não fumantes.
Estima-se que 40% dos casos de periodontite crônica estejam relacionados ao tabagismo — um dado que reforça seu peso epidemiológico.
Quem fuma — e por quê?
A adoção do tabagismo raramente é um ato isolado. Ela se relaciona a fatores sociais, econômicos e culturais. Entre os principais elementos que influenciam o hábito, destacam-se:
- forte presença em redes sociais, filmes e games, apresentando o cigarro como símbolo de estilo, liberdade ou maturidade;
- convivência com familiares fumantes, que normaliza o comportamento;
- marketing agressivo, incluindo sabores atrativos e embalagens que sugerem modernidade;
- vulnerabilidades socioeconômicas, que predispõem determinados grupos ao consumo;
Ao considerar essas realidades, o consultório se torna um espaço capaz de oferecer mais do que informação técnica: ele se torna um ambiente de acolhimento e intervenção social.
Cessação: benefícios rápidos, progressivos e mensuráveis
Os efeitos positivos de parar de fumar são rápidos e cumulativos:
- 20 minutos: queda da frequência cardíaca e pressão arterial.
- 24 horas: eliminação quase completa da nicotina.
- Dias: redução do monóxido de carbono e melhora do transporte de oxigênio.
- 1–12 meses: melhora significativa da função pulmonar e redução de tosse e cansaço.
- 1–2 anos: queda importante do risco de doenças cardiovasculares.
- 5–10 anos: risco de câncer de boca reduzido pela metade.
- 15–20 anos: riscos semelhantes aos de um não fumante.
Na periodontia, os ganhos são especialmente claros: melhora da resposta inflamatória, maior eficácia em tratamentos cirúrgicos e não cirúrgicos, redução de perda óssea e aumento da estabilidade periodontal.
O que a odontologia pode (e deve) fazer: os 5 A’s
A OMS recomenda a aplicação dos 5 A’s, um protocolo simples e eficiente que deve fazer parte da rotina clínica:
- Ask (Perguntar) – investigar e registrar o uso de cigarro, vape e outros produtos de tabaco.
- Advise (Aconselhar) – informar com clareza e empatia sobre riscos e benefícios da cessação.
- Assess (Avaliar) – compreender a motivação do paciente e seu estágio de prontidão.
- Assist (Ajudar) – sugerir estratégias de cessação, encaminhar para apoio multidisciplinar e reforçar orientações.
- Arrange (Acompanhar) – realizar follow-up, reforçar avanços e apoiar recaídas sem julgamento.
A odontologia tem papel direto na redução de danos e na promoção de saúde integral.
REFERÊNCIAS
Matéria original citada:
Molloy, C. (2025). The relationship between smoking and periodontal disease, health implications, and improvements with quitting. RDH Magazine, Nov/Dec 2025.
American Cancer Society. Health Risks of Smoking Tobacco. 2024.
American Cancer Society. Why People Start Using Tobacco, and Why It’s Hard to Stop. 2024.
Orritt, R. Health Inequalities: Why do People Smoke if They Know It’s Bad for Them? Cancer Research UK, 2022.
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